quarta-feira, agosto 15, 2012

Ainda uma vez adeus

                                                                       Adeus qu'eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!”
Gonçalves Dias




I
Ainda uma vez adeus,
Deus sabe se sofro, Deus sabe de mim,
Alma alvoroço é vela caída,
No mais meu desgosto a tua partida,
Maior teu tormento, deixar-me enfim,

Sem nada que possa, essa impotência
Faz-se em mim como ao sol a luzir.
Meu choro é calado, é pura demência,
Teus olhos de mel de turva eloquência,
Não mais me amará, não vais mais nutrir.

II
Ainda uma vez adeus,
Quem quer que assim quis,
Coração não tem, nem dádiva amor viveu,
Não sabe do sonho amor se perdeu,
Destino do peito, tangente infeliz.

No corredor, adentro os olhares, a sorte aflita,
Vagueza de gestos, suprimidos os afetos,
O abraço que foge, a mão que suplica,
Teus olhos de mel, estranheza me dita,
Teu cheiro inda assombra, andares incompletos.

III
Ainda uma vez adeus,
Afirmas, meu amor menor que o teu. Que horror!
Afirmas, tão pouco eu te dei. Ferir-me é o intento?
Pra ti foi tão pouco, que algoz pensamento,
Que cruel inverdade, que frio dissabor!

Teu corpo era o meu nome, teus olhos minha crença,
Teus beijos meu esteio, teus seios minha força,
A tua alma, pérola encantada da minha existência,
A minha, partida, quebrada, que torpe sentença,
Cheio de nódoa teu grito; estampido que eu não ouça.
  
IV
Ainda uma vez adeus,
Dos corpos detidos, a tua descrença,
Dos beijos no ônibus, tua vaga lembrança,
Das mãos conjugadas, minha desperança,
O abraço espaçado, tua indiferença.

É de raiva e rancor que me afogo agora,
Nas batalhas pensei de estarmos sempre juntos,
Nem empunhaste tua espada, nem resistisse à aurora,
É de súbito que me viro, teu olhar vai-se embora
No jardim da triste sina, nosso amor são dois defuntos.

V
Ainda uma vez adeus,
Lindo sonho, sem poder fugir presos na fugalaça,
Mãos atadas, cumpliciadas selamos nosso destino,
Mas valeu, tigre traçou tão bem, que de inopino
Vejo tua derrota casar com a minha desgraça.

Não é verdade, eu sei, tanto lutaste e foste fera,
Sei que contra o tigre feriste garra contra garra,
Mas o sentir que esmaga o peito não muito espera,
E o nosso filho, hoje em dia é minha quimera,
Não foste fraca. Não me livrei de minhas amarras.

VI
Ainda uma vez adeus,
De pesar o peito abarrotado, ressuscito num soluço,
Deus sabe se bem te amei,
Deus sabe que por ti tanto esperei,
Mas o destino anteviu e foi astuto.

Perdoa, vida, a minha sina, é assim que vivo,
E na calada do Largo, de vinho grito o teu nome,
No peito perduro nosso amor, por vezes soa aflito,
O andar, puro desgosto, a alma, um labirinto,
Que em frangalhos traça, corta, bebe, some.

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