sexta-feira, junho 29, 2012

Desencanto


Eu faço versos como quem chora
De desalento , de desencanto
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto

Meu verso é sangue , volúpia ardente
Tristeza esparsa , remorso vão
Dói-me nas veias amargo e quente
Cai gota à gota do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre
Deixando um acre sabor na boca

Eu faço versos como quem morre.


Manoel Bandeira.

quarta-feira, junho 27, 2012

O tal esperado.


Lá vem você...
Como se eu fosse acreditar que é por acaso,
E esbarra em mim, traça o meu olhar inundado,
Chuta meu nome no universo em retraso,
Desapercebeu-se e me reconheceu sem ter planejado.

Quando mais meu coração se encontra desapercebido,
E minhas mãos se encontram dentro dos meus bolsos,
Meu peito é fonte de calmaria e abstido,
No descaso descansava em meus pensamentos sem alvoroço.

Lá vem você...
Porque sabe que meu peito clama por ti baixinho,
E o meu corpo fremente desesperado procura te encontrar,
Numa imensidão de sonhos silentes e em desalinho,
Sem saber, sem sorver, mas também sem duvidar.

Por que tais olhos teus também são encobertos?
De imensidão desacreditada e longínqua esperança,
A boca reza teus trêmulos sussurros prediletos,
Enquanto na carne mão aflita crava as unhas feito lança.

Por que tal coisa, de norte, leste e vento sul desesperança,
Saem de tuas vestes tinta borrada de choro e tecido do mundo?
E escorrem pelos teus olhos feito perdida terna criança,
E faz com que o destino me aplique a pena como a um vagabundo.

Lá vem você...
E me negas, como a um injuriado negando sua culpa real,
Tanto é teu nome que marca minha pele, que entardeço,
E um tiro na (da) tua boca me acerta a fortaleza banal,
E congelado nas imensidões além dos muros esmoreço.

Lá vem você,
Mas eu já o sabia, essa ilusão de querer muito mais,
E no vinho procurar o gosto amargor do teu rosto,
E o teu nome avistar estendido nos varais,
Para o meu cantar virar solidão de desgosto.

É chegada a hora em que o fim me engana a recomeçar,
Um banco de museu é o nosso cúmplice e nosso cupido,
Teu olhar longe, ao infinito Jorge Amado a testemunhar,
Mãos perdidas como no escuro de uma cena cinema paradiso.

Lá vem você...
E já não me parto, debato ou sinto a dor pulsar fremente,
Teus beijos me doem mais, tua alma me fascina mais,
O alvoroço em meu corpo é de te roubar pra mim eternamente,
Desatracar do porto-solidão e me perder sem ter cais.

Lá vai você,
Eu sei o que vais dizer, o que tens medo de pensar,
Mas mesmo assim, eu te admiro como a um talho de fino mármore,
E essa força descomunal me faz cortado e sangrando mais te desejar,
Nos teus lábios com minhas lágrimas te marcar meu sabor acre.

Se um dia você for embora, que seja no silêncio da madrugada,
Não quando a cotovia canta para que eu acorde,
Nem quando o vento assoviar na beira da estrada,
Vais na hora do choro do meu silêncio que te dará suporte.

Mas lembra...
O que foi nosso, e se fez numa magica jornada,
Nunca será apagado das minhas mãos, do teu corpo...
Nem quando estiveres de outro, assumida a amada,
Nem quando esqueceres dos meus versos, o salobro gosto.

quinta-feira, junho 14, 2012

Mau sonho.



Ao tíbio clarão da lua,
Bebo da água-tofana que me resta gota,
De uma miséria perene e triste, infame nua,
E que regurgita a tísia galopante do peito fraco.

Corre o frio nas vestes que se desbotam,
Trôpego, a correr por entre os enlevos que o caminho esconde,
Desfaça-se a alcova com que me prendias nas noites de amor!
A lua sem teu sorriso prende-se na amargura do meu pavor.

Como amar sem ser amado?
A sentir a dor da alma enlameada,
A correr pelos caminhos do espinhal,
A cair sobre a tumba do mal da estrada.

Evoé!

Tornar a taça quente de vinho amargo,
O gosto impregnado no suor do corpo aflito,
Correr com os pés de vassalo,
Debater-se com alma e corpo em conflito.

O que era o amor senão o teu escárnio?
Senão a fria tangente lança cravada no peito meu,
Que moldava, ampliava a ferida a gangrenar,
Marcando-me, arfando, andando a tuna!

...

E fui por entre a beira do rio a chorar,
A pensar no amor que nunca existiu num peito sedoso,
O momento para ti era venturoso,
E eu febril correndo para a morte me entregar!

Evoé!

Tornar a ultima taça da vinagreza,
Seca a boca tácita,
Sorve as lágrimas parcas,
O amor era feitiço, a sombra da noite sem luar!

Não me jures mais, são impropérios,
Cobre a boca com um véu,
Não entoe nem regozije a minh’alma,
Deixa-me morrer em paz, estranha moça.

Dá-me esse regalo!

quarta-feira, junho 13, 2012

A Maciez da seda, a rigidez do tempo.


Se só eu sempre fui, ao só serei fiel.
Em ti, vivi momentos de intermináveis solilóquios;
Banhei-me na aspereza. Tu: meu vício, meu ópio,
Contigo o ardor do silêncio é prêmio de fel.

Sem ti, eu amanheço em sóis escarlates,
Perto, a noite fenece, e chora o mais triste vento,
Tu és a maciez da seda, a rigidez do tempo,
Um fino fio de coser, arquejado em eus instantes.

E dos teus olhos d’água que abarrotam sádicos anseios,
Chuva de mágoas marca-me tuas pegadas;
Insistes a se perder do peito que suplantaste teus devaneios.

E nesta jornada de contas que palpo teu corpo em preces,
Diz o coração: -- Quero-te perto...
Constata a razão: -- Tu não me mereces!