sexta-feira, julho 24, 2015

Eu olhei a tristeza nos olhos



Eu olhei a tristeza nos olhos, e ela olhou para mim,
Não pude o mesmo fazer, partia de você o olhar tardio,
Os teus olhos eram a veneziana e pela fresta ela me saudava,
E eu beijei os teus lábios frios, e quis te passar o calor do meu corpo,
Eu olhei novamente e teus olhos por algum motivo sorriram,
Mesmo frios, mesmo tristes... mesmo desamparados e famintos.
[...]
Eu olhei a tristeza nos olhos... – Filho! 

terça-feira, abril 14, 2015

O Gosto do veneno

Eu gosto é do gosto do veneno,
Sou viciado no gosto do veneno,
Bem daqueles que além de matar lentamente,
Vai largando teus pedaços pelo caminho,
ou te deixa cheio de cicatrizes no peito...
se doses cavalares, é certo que andes por ai
arrastando a bola de ferro grudada no tornozelo,
ou a sensação de um piano de cauda nas costas,
o que te deixa sempre exaurido, ao ponto de
querer desistir da vida, não respirar,
mas se não há vida sem ele, aí sim, a morte é analítica e fria,
o que é eu sei, sou consciente, é perigoso, mas eu gosto.

Eu gosto é do gosto insano, cheio de rompantes,
de lamúrias, dramas, frio na barriga, disritmia e suor nas mãos;
eu gosto é do gosto de fruta desinibida, desraigada,
desventura de queda longe do pé;
eu gosto da força descomunal desse maldito veneno,
que me faz ter raiva, alegria, ira, riso, rancor, inveja e solidão.
eu gosto é do gosto às vezes amargo, cítrico,
de vez, doce de avelã.

Eu gosto é do jeito que esse veneno me rouba:
meus olhos; minha audição; meu paladar; minha escrita;
minha poesia; meu ritmo; meu sorriso;
minha desfaçatez; desalegria; meu sangue.

Meu sangue que ferve, meu sangue que engrossa
e arrebenta as veias, meu tórax que comprime,
e me desfaço num tipo de delirium tremens,
e se escorre suor e sangue, e matéria,
o vivo rei deposto, algemas ilusórias,
gás carbônico enclausurado nos pulmões,
ácido nítrico nos olhos, lágrimas de desalento,
suspiro prolongado, conhaque flambado...
... tremens, tremens, delirium, delirium,
asylum, alma exilada habita ainda aqui..., ter... tua, sua, não,
minha, sua, tre... tremenstremenstremens, tremens!
Esvoaça, voaça, voarra, voava, voavoa, ave, salve,
voa, teu codinome, meu sobrenome,
busca a ela, traz a orquídea de tal jardim.

E eu gosto é do gosto desse tal veneno,
que ainda na fonte, percorre todo o corpo,
recolhendo mais peçonha, passa pelas veias,
sorve a bílis, desequilibra os rins, a vesícula,
e todo o ventre ferino, do útero, do umbigo,
passa por toda a pele tortuosa, tuas curvas, (ah! as curvas),
permanece uma estadia no coração, a peçonha-mor,
que o expele, e diz: vai, toma o mundo,
até passar pela traqueia, pela boca,
até chegar na língua, (ah! a língua),
e lança-se pela voz, inebriando o som
que chega a mim com gosto de noite e cheiro de maresia.

Eu gosto do pavor que chega até a mim,
o gosto do veneno se expande em todos os poros,
sem cautela acentua todos os sentidos,
e uma nuvem estranha assombra os olhos,
a pupila dilatada, a língua dormente e sedenta,
o corpo fala em gestos de desconserto,
viro peça de quebra-cabeça perdida que não se encaixa.

Eu gosto do gosto do veneno... que me vicia,
que me transborda e me adormece a ponta dos dedos,
lépido, em transe, gesto moroso, cauteloso
e sem escrúpulos, eu ainda assim,
desejo com todo o fervor sentir o gosto do veneno.
eu gosto do gosto do veneno mesmo que me arrebente inteiro,
mesmo que me invada todos as entranhas do meu ser,
mesmo que me estripe, mesmo que me tranque
na masmorra em grilhões enferrujados de amores passados,
mesmo que me desfaça em horas,
mesmo que me decapite em praça pública,
meu último grito seria:
— Eu... eu gosto do gosto desse mal(bem)dito veneno!

Eu gosto do gosto do veneno,
mesmo que me castigue, me iluda e me torne um pedinte,
eu gosto porque o gosto me fascina, agita, atordoa,
o gosto do veneno tem sabor de suplício, de gestos afoitos,
joelhos ao chão, súplica na palma da mão,
carne trêmula destoada. Confesso que não saberia
viver sem sentir esse gosto sempre.
O tal do amor...?! É um filho da puta!

Mas eu gosto, eu gosto... e sei que em ti vive esse veneno,
esse arroubo de peçonha em ebulição constante,
teus olhos são a maior verdade desse veneno,
das sentenças que pagaste e deste como penitência.
Os outros correm, estremecem ao ponto de fugir,
ou ficam somente sem saber,
mal sabem do verdadeiro doce inebriante desse veneno,
que me fala à tua boca,
é preciso desejá-lo veementemente mesmo se for assim morrer,
é preciso se ajeitar, se moldar, se machucar,
se cumpliciar, se assim for querer viver.

Eu gosto do gosto do veneno,
quando eu te vejo, ele me chama...
e me seduz, me encanta,
me fala de poemas que eu não sentia,
me fala de músicas e de cheiros e sabores,
me fala de tua sorte, de tua fórmula convidativa.

Eu, trôpego, ainda mais suplico esse ardor do teu veneno,
mesmo que me castigue e me faça noites
chorar de ficar de olhos inchados,
mesmo que minha vida se extinga sem comedimento,
eu corro para te ver passar, só para sentir o cheiro dele
e dizer: – Ela tem esse veneno.

Eu a quero.

segunda-feira, março 30, 2015

Inventário

Pai.
Três letras com uma insignificância
enorme aos meus olhos.
não se indignem com os meus olhos,
eles só veem.

Por incrível que pareça,
enquanto os outros bebiam o morto
e se lamentavam do tempo que não tiveram,
eu tive neste natal a ceia mais maravilhosa,
diferente de todas as quais fui esquecido
quando menino.

Não é ranço, rancor nem mágoa,
são apenas constatações
permeadas de um humor negro.

Vim, vi e venci, tantas perdi
não sei...
Perdoa-me pai, perdoam-me se pequei.

Foi hora de esquecer e ser esquecido,
A vida te deu em colher de chá
e te tirou em concha de sopa
a mim, em conta-gotas.

Não me queiras mal aí no outro lado,
minha indiferença e falta de tato é algo tratável,
nada que uma boa análise não resolva.

Mas tu, pai, morrestes, ao menos por mim,
quase que esquecido,
uma falta mínima, irrisória de uma vida toda.

Esquecido até de si próprio
o que eu não acho triste
ou a dor te mataria antes do final,
se é que não
anteviste e foste.

segunda-feira, janeiro 05, 2015

Ainda uma vez adeus


Adeus qu'eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!”
Gonçalves Dias.

I
Ainda uma vez adeus,
Deus sabe se sofro, Deus sabe de mim,
Alma alvoroço é vela caída,
No mais meu desgosto a tua partida,
Maior teu tormento, deixar-me enfim,

Sem nada que possa, essa impotência
Faz-se em mim, como ao sol a luzir.
Meu choro é calado, é pura demência,
Teus olhos de mel de turva eloquência,
Não mais me amará, não vais mais nutrir.

II
Ainda uma vez adeus,
Quem quer que assim quis,
Coração não tem, nem dádiva amor viveu,
Não sabe sonhar, amor se perdeu,
Destino do peito, tangente infeliz.

No corredor, adentro os olhares, a sorte aflita,
Vagueza de gestos, suprimidos os afetos,
O abraço que foge, a mão que suplica,
Teus olhos de mel, estranheza me dita,
Teu cheiro inda assombra, andares incompletos.

III
Ainda uma vez adeus,
Afirmas, meu amor menor que o teu. Que horror!
Afirmas, tão pouco eu te dei. Ferir-me é o intento?
Para ti foi tão pouco, que algoz pensamento,
Que cruel inverdade, que frio dissabor!

Teu corpo era o meu nome, teus olhos minha crença,
Teus beijos meu esteio, teus seios minha força,
A tua alma, pérola encantada da minha existência,
A minha, partida, quebrada, que torpe sentença,
Cheio de nódoa teu grito; estampido. Que eu não te ouça.
  
IV
Ainda uma vez adeus,
Dos corpos detidos, a tua descrença,
Dos beijos no ônibus, tua vaga lembrança,
Das mãos conjugadas, minha desperança,
O abraço espaçado, tua indiferença.

É de raiva e rancor que me afogo agora,
Nas batalhas pensei de estarmos sempre juntos,
Nem empunhaste tua espada, nem resistisse à aurora,
É de súbito que me viro, teu olhar vai-se embora,
No jardim da triste sina, nosso amor são dois defuntos.

V
Ainda uma vez adeus,
Lindo sonho, sem poder fugir presos na fugalaça,
Mãos atadas, cumpliciadas, selamos nosso destino,
Mas valeu, tigre traçou tão bem, que de inopino
Vejo tua derrota casar com a minha desgraça.

Não é verdade, eu sei, tanto lutaste e foste fera,
Sei que contra o tigre travaste garra contra garra,
Mas o sentir que esmaga o peito não muito espera,
E o nosso filho, hoje em dia é minha quimera,
Não foste fraca. Eu que não me livrei das amarras.

VI
Ainda uma vez adeus,
De pesar o peito abarrotado, ressuscito num soluço,
Deus sabe se bem te amei,
Deus sabe que por ti tanto esperei,
Mas o destino anteviu e foi astuto.

Perdoa... nessa tal sina, é assim que vivo,
E na calada do Largo, de vinho grito o teu nome,
No peito perduro nosso amor, que por vezes soa aflito,
O andar, puro desgosto, a alma, um labirinto,
Que em frangalhos, traça, bebe, corta..., some.

sábado, janeiro 03, 2015

Noite quente de inverno.

superLua.

Lua nova, deus novo, criado novo,
pele de sempre, cheiro de sempre,
do jardim que habitam várias flores.

Um pêssego tem inveja,
Dionísio te absorve e te contempla.
A amante... também tem inveja,
lá no alto, em lamúrias tempestivas.

Traição por amor não é traição,
é devoção.

Cada milímetro, cada camada,
cada curva eu entro em desespero,
procuro abafar o soluço,
de raiva, de tremor, de desejo.

Fazer estrago,
Desenhar não o teu corpo,
mas tua áurea infinita,
tua alma cética pagã.

Cheiro, cheiro, cheiro, cheiro...
Como é bom o teu cheiro.
Ele fala comigo, me diz do perigo,
Da sentença que é morte.

Eu quero mais, eu quero,
E quanto mais eu quero, eu quero,
Mais me alucino; se quero.

Viro menino... safado.

Cheiro, cheiro, cheiro...

Quanto mais cheiro me vicio,
Mais me curo no teu cheiro,
de Alice devota,
de Young alucinógena,
de Clarah travestida.

A loucura da tua pele tem a medida da minha maldade.