quinta-feira, setembro 26, 2013

Vertigo

Eu pareço um cão sem dono,
Bem daqueles com cara de que fugiu do bem bom do lar,
do conforto de um colo quente,
do sorriso angelical aparente,
da cama cálida e enorme em volta do seu corpo cansado.

E preferiu ficar com as esquinas, o frio e a noite serena,
A lua, o perigo da morte a cada atravessar de rua,
Os chutes e pisadas de indiscerníveis traços malacos,
Os becos que habitam as negras fantasias, demônios e gárgolas.

Onde as entradas e portas são semiabertas, para que entrem,
Sorrateiros, perros afoitos loucos por calor e afagos,
E olham nos olhos do menino delinquente, que sonhava em ser poeta,
Hoje é um perdido, fracasso cheio de cansaços,
Onde habitam memórias de putas tristes...
Ah Gabriel, não sabes do meio da estória!

Eu pareço um cão sem dono,
Daqueles puídos, fudidos, mal pagos, trapos, saco de bater, enxovalho.
E ainda assim, andam com um sorriso na boca, inocente, despretensioso,
Um arfar simpático para olhos de reprovação e asco, escrotos, déspotas!

Eu pareço um cão sem dono,
A esmo nas ruas sujas e cheias de fedentinas da noite mundana,
No parapeito com um olhar vazio e longínquo, pedindo um carinho ao meio-fio,
Bem daqueles sem hora, sem padrão, sem pai, sem dono, sem esperança.

Eu pareço um cão sem dono,
Daqueles de rua, que briga com a fome, mas é fiel à liberdade,
Abanam o rabo o tempo todo, convidando, suplicando
uma alegria malfadada, despudorada e bandida,
Um cheiro de afago, mãos marginais de cachaça, sente, pede, soma.

Eu pareço um cão sem dono,
Daqueles que procuram o seu coração a todo instante,
Por onde se perdeu, de quem se acometeu ao juízo de largá-lo ao léu,
E o amor, ainda fica, basta, o amor ainda basta, falho, cansado,
O amor ainda basta, fere, mas ainda basta.

Eu pareço um cão sem dono, sem você,
Sem a comida quente, sem a água limpa,
Sem o tapete para se deitar,
Sem o rabo para enfatizar a alegria.

Eu me sinto um cão sem dono,
Como sem o dia de sol, sem um banco de praça e um livro,
Somente um cigarro e um trago de conhaque.

Eu me sinto e sou um verdadeiro cão sem dono,
Quando estou sozinho... sem você.

terça-feira, maio 21, 2013

Ridículo

Sinceramente, eu me sinto ridículo, confesso. Isso tudo que sentimos e acontece entre nós faz eu me sentir ridículo, mas também eu te olho e te vejo: ridícula. Somos dois ridículos, o nosso mundo é ridículo de céu ridículo, de montanhas íngremes e ridículas, nuvens, árvores, rosas, e gatinho laranja. Ridículos. Nossa estante de livros é ridícula, meus poemas são ridículos, teus textos são mais ridículos ainda. A lua e as estrelas, enfim, nosso universo paralelo é todo ridículo. Nós dois somos dois ridículos à parte de tudo que se pode dizer que seja ridículo mesmo, impares. Sabe aquela menina indie? Tenho certeza que você é bem mais ridícula do que ela poderia ser. Sabe aquele cara bonitão de piercing no septo e tatuagem clichê no antebraço? -- Sou bem mais ridículo do que ele, vai por mim, eu sou. – acredite.
O ridículo impera em nossas veias, em nossa alma, em nossas cabeças “avoadas”, -- tá bom, a minha é muito mais; nas tuas mãos e boca de menina, e o teus olhos?! É sério..., é muito ridículo! Ridículo, ridículo, ridículo, e qualquer coisa que eu pense sobre nós dois é sempre ridículo, não tem para onde fugir, está em nós. Sinceramente, acho que deveríamos colocar uma plaquinha de madeira na frente da nossa casa, talhado: “Casa do casal ridículo”.  Porque somos, essa é a verdade! Aceite, honey! Somos dois ridículos e provo: quando andamos de mãos dadas no meio da rua e quando você aperta forte minha mão com aquele sorriso na boca e nos olhos, é ridículo! Quando eu aperto a minha mão suada contra a tua, mais ridículo ainda. E quando eu passo a minha aliança na tua, e aquele barulhinho te faz sorrir tímida e com olhar de criança?! Ridícula. Somos dois ridículos quando nos olhamos sem reparar que o mundo gira lá fora, somos dois ridículos quando eu suspiro trêmulo e digo que te amo demais, somos dois ridículos quando você franze a testa aperta os olhos e me diz que eu sou a tua vida! E eu sou mais ridículo porque quando ouço você dizer isso, meus olhos lacrimejam. Ah, que ridículo que nós somos! Poderíamos sair na capa de uma revista qualquer: O casal ridículo do ano! Devia ter nossa foto nos dicionários como exemplo de o que é ser ridículo. E eu sou tão ridículo ao ponto de escrever um texto como esse, ridículo. Você certamente o lerá e pensará: esse meu marido é muito ridículo... tsc, tsc, tsc.
Eu te vejo, eu te sinto, eu te penso, eu te desejo, necessito, tudo de uma forma abrupta e ridícula, como eu jamais pensei em sentir, sei lá..., nem sabia que poderia existir essa maneira tão ridícula de ver e sentir isso tudo que nós sentimos. Essa forma de não saber quem é quem, um mistura de fluxos, medos, sonhos desejos e  reverberações do in(i)maginável. Desejar uma pessoa assim deveria ser crime, pois é muito ridículo. Meu Deus, que ridículo tudo isso! Mas eu não me sinto ridículo de sentir isso tão ridículo assim desse jeito e pensar no que os outros irão achar, eu sei que você também não dá a mínima para os outros, é por isso que somos dois ridículos que vivem ridicularmente felizes. O velho e a moça. Ridículos.
Mas eu acho, enfim, que todas as pessoas que não se sentem assim, ridículas, ou que não buscam verdadeiramente no coração serem ridículas é que são realmente ridículas. Quem nunca escreveu nada ridículo num Post It e entregou em segredo ou falou para a pessoa amada algo ridículo e que isso é o que o faz feliz, é genuinamente ridículo. Quem nunca escutou uma música ridícula e quis cantarolar quando vê quem ama, esse sim é ridículo, quem nunca assistiu um filme água-com-açúcar e chorou e no final deu um beijo molhado de lágrimas no rosto de quem ama, é que é puramente ridículo. O amor é ridículo, eu sou ridículo e você é ridícula.
 E daí? Daí que somos dois ridículos e não nos envergonhamos disso, somos privilegiados, concorda?! Serei ridículo com muito orgulho enquanto tiver você ao meu lado, velhinho de suspensórios, barba branca e passo moroso. Ridículo. Vou publicar livros e mais livros de poemas assumindo a minha ridicularidade. Picharei nos muros: O ridículo que é importante, porra! Lerei em praça pública Pessoa e seu texto ridículo.
Está bem, terminarei este texto agora, porque você já deve estar de saco cheio de ver o quanto ele e eu somos tão ridículos. À parte de todos os ridículos e devotos do amor que existem no mundo assim como nós dois, os outros é que são ridicularmente ridículos.

segunda-feira, maio 06, 2013

Passionata difusa.


Eu poderia te escrever o mais lindo poema de ser lido,
E este, ser declamado por bocas transloucas em palanques ou mesas de bar, nas esquinas, pichado, riscado pelas muretas, por grogues e loucos afoitos que só sabem dizer que só querem amar.

Eu poderia te escrever o mais lindo poema de ser lido,
banido de casas de família, excomungado das igrejas, venerado pelos descrentes, bajulado por iconoclastas, invejado e suspirado por transgressoras meninas hardcoreanas sonhadoras detentoras de corpos bandidos despidos.

Eu poderia te escrever o mais lindo poema de ser lido,
Compor, solipsificar teu nome em meus poros, e pregá-lo em porta de faculdades, apostatá-lo em altares de capelas, impregnar mentes de garotinhos cafajestes indecentes a seduzir menininhas no banheiro na hora do recreio.

Eu poderia te escrever o mais lindo poema de ser vivido,
Nos becos dos portos, nos úmidos varais cheios de roupas íntimas que tentam esquecer a indecência do amor profano, e disseminá-lo nos gemidos das ruas cafetinas que insistem em me dizer dos teus olhos de mel, passionata difusa nos umbrais.

Eu sei, eu o sei, se sei... bem sei:
Eu poderia te inventar o mais lindo poema de ser lido,
Só para te dar, eu. Só para te ver chorar, eu. Só para te ver sentir e ranger os dentes, eu.

Só para te ver usurpar sinonímias castas e arredias, o semblante mudar, e tua falar tremular na ponta precipício da tua língua, eu.
Só para te ver se despir, e se vestir, se nutrir de versos incompletos, e repletos de nobres cacoetes, eu.
E te ver despida, frágil, um inocente coelhinho felpudo desamparado pela mamãe, encurralado por um perverso lobo faminto, eu.

Deus do céu...
Eu acho que deveria te escrever o mais lindo poema de ser lido!
Eu bem sei que não o escrevi, mas eu sou poeta e você também é louca..., e continuaremos a tentar, e nós nos amamos, eu te amo, em alvoroço, bem louco.

Se eu ainda não te toco, verdadeiramente, sou teu cão-guia cego e manco, caneta pérfida, tinta borrada,
Mas sim, bem que eu queria poder te escrever o mais lindo poema nesse dia.

Na falta, toma esse borrão coração que rouco se prostra a teus pés. Então.

quinta-feira, fevereiro 07, 2013

(...)


Eu te amei desde que os teus olhos de mel invadiram o meu espaço.
Meu pequeno espaço. Uma sala 2x2 de janela selada e restrita com a placa:
Aqui ninguém entra, ou fica à vontade.
E você quebrou as trancas enferrujadas corroídas de lágrimas ácidas e pernoitou jogando pôquer contra a solidão e a morte. O acordo era que se você perdesse não mais voltaria ali, nem em pensamento, mas caso contrário, as duas teriam que bater em retirada sem nem ao menos olhar para trás. Preciso dizer quem ganhou?
E você acendeu a luz, e com um pano feito de sua própria pele foi tirando o pó do meu corpo inteiro. Confesso que no começo eu tentei te expulsar várias vezes. Sentia falta das minhas sórdidas companheiras. Apagava a luz sorrateiramente para você se perder ou se cansar e querer sair dali, foi em vão, você mais e mais permaneceu, fincou os pés e ali se plantou. Linda, até mesmo com o suor na testa e o cabelo cor de tangerina todo desgrenhado.
Foi difícil, eu sei, mas você persistiu, e persistiu, e chorou, e novamente chorou..., mas você mesmo com o peito latejando, e as forças se extinguindo, permaneceu ali, com a bandeira do amor em punho, intensificando o que acreditava e que te fazia sentir mesmo assim, viva. Foi difícil e ainda é.
A luz que refletia dos teus olhos resplandeceu e iluminou todo o compartimento, foram dias e noites esvaziando gavetas, com os dedos sangrando e os olhos relutando. Retirou o pó, porém inalou a poeira, pintou as paredes, mas se sujou inteira, mudou o lugar dos móveis, ganhou machucados extras, trocou as cortinas, deu uma nova roupagem e cores vivas a todo o ambiente, isso tudo doeu, e choraste tantas vezes. Fez-se morada a esperança, porque meu coração se fez em cor, saca?! Hoje não há penumbra, não há escuridão, o sol aquece cada canto da sala, o vento canta e dança com as cortinas, e a tua presença marcada pelo teu cheiro se misturou permanentemente em mim.
Nessa invasão, você chegou assim, já sabendo o que queria, que me queria, independente do que quer que eu fosse. Tirou-me de uma prateleira empoeirada, -- confesso que imaginava nunca mais sair dali. E assim, página por página, lendo e relendo, se machucando nas histórias, em um esforço descomunal a cada dia, rasgavas uma página de mim, e no verso da mesma folha reescrevias uma nova história, e ainda escreves, ponto a ponto. E nas tuas mãos me faço um livro de pequenas grandes coisas, momentos que valem a pena pelo fato de que são nossas memórias misturadas e convividas.
Sou teu livro, que dia a dia reinventas, nós dois sabemos disso. E hoje sou um novo título, novos parágrafos, novas frases, novo enredo, em tua escrita sou pontuação cadenciada, um mundo de sonhos e fantasias que se fazem nossas, só nossas. Teu livro. Sou teu livro.

  

P.S.: À escritora que escreve em minha vida. 

terça-feira, janeiro 22, 2013

O catre


No catre cerrado, revelam-se todos os teus mistérios,
As chaves são aceitas e teus cadeados destravados,
Por quanto tempo, agora não importa,
É possível sentir a brisa que vem da janela do teu corpo.

Abro uma cortina e a tua alma semisolta,
Faz-me constatar a conspiração dos nossos acasos.

No impasse do tempo:
A tua boca revela-se;
Os teus olhos me buscam;
Tuas mãos são minhas cúmplices;
E o teu corpo responde ao meu tato.

A tua maquiagem borrada grita o meu nome,
Desenho os teus ombros,
Enquanto sinto o frescor do teu banho,
Enquanto os teus olhos me suspiram,
Eu acho o caminho que nunca trilhei mas já o sabia,
Enquanto tua boca ávida me procura.

Teus olhos me contam tua história,
Imprecisa. Deflagra e elimina minha experiência,
De ter vivido um amor que nunca existiu,
De viver uma vida que nunca foi tão viva.

Meu mundo era um poema inacabado:
De estrofes decaídas;
De rimas falhas;
De um amor já velho e amputado;
Compactuando com uma conjuntura arcaica e obsoleta.

Eu que nunca fui dono de mim.

A madrugada é o teu leito. Dormes inerte,
Mas percebes que levanto a todo instante,
Estás desarmada e mesmo assim me deixas te ninar.

Velo o teu sono, te aproveito inconsciente,
Com a alma prestes a ebulir
o sangue e hálito de cigarro barato,
Faço-te juras de amor
que nunca saberás que fui eu que proferi.

O anjo o qual pedi para levar tais juras
E registrá-las na página de recortes da tua vida,
Perguntou-me se eu tinha certeza disso,
E foi simples por entre o meu divagar que lhe respondi:
__De amor, meu caro, sempre se morre.


É, pode ser que a maré não vire
Pode ser do vento vir contra o cais
E se já não sinto teus sinais
Pode ser da vida acostumar
Será, morena?

Sobre estar só, eu sei...



sexta-feira, janeiro 11, 2013


Vai, foge. Pode correr. Pula o muro, se estrepa toda, levanta e continua. Eu te dou alguns minutos de vantagem. Foge. Ainda dá tempo, penso. Grita, chora, se joga nos vãos da vida.
Esperneia, tenha raiva, murmure, gesticule, simule, decaia, pragueje, amaldiçoe. Mas então foge. Para o mais longe que tu puderes. Tente. Vai, pode correr, tentar esquecer. Até dormir vale. Se entope de Rivotril. Não tem por onde ser diferente. Eu estou em você. Você está em mim. Eu que não sou besta, não fujo e te espero. Mas se você é teimosa e quer tentar... Vai, foge. Eu ainda estarei aqui, sentado, fazendo palavras cruzadas procurando sinônimos de luta e de amor desesperado. Quando cansares de me esquecer basta suspirar meu nome e voltar.

segunda-feira, janeiro 07, 2013

Tangerine eyes.


Qual a cor dos teus olhos?
É da cor que bate compassada em meu peito.
É da cor que permeia todos os meus pensamentos.
Teus olhos cascatas dos meus desejos.
São miríades da constelação do meu universo.

Qual a cor dos teus olhos?
São amálgamas cristalinas tanto densas.
São desesperos do meu pranto de medo e covardia.
É a cor da ventura no mar de minha fantasia.

Meus olhos de mel.
Tens o brilho da cor do meu pecado,
Onde ressurge lépida a passos largos,
A mais fina sintonia de oboé ritmado.

Tu tens as cores dos meus desejos.
Tu tens o brilho da lua que me emociona.
Tu és a cordilheira dos Andes por onde ando descalço,
Para te sentir meu destino e meu fundamento.

E se me perguntam qual a cor dos teus olhos?
Respondo:
Ela tem os olhos da vida que me ressurge,
Tem os olhos que formam meu oceano de mel,
Tem a sedução no brilho e no encantar,
E sua forma de amêndoas é o que me fascina.

Oceano de brilho da paixão desperta no poeta pequeno que sou.

Se sou, o que sou, quem serei, que importa?
Mais me vale vagar pela onda das cores
do mar dos teus olhos de topázio,
Onde tudo verte belo e absoluto,
Do que viver a mais intensa alegoria de consagração.