sexta-feira, julho 22, 2011

Hoje eu não serei você.

Hoje eu não falarei de mim,
Não falarei de nada que envolva minha pessoa,
Serei uma variável persona,
Apenas o pseudônimo de ninguém.

Serei várias cenas em um palco, várias falas, várias pausas,
Várias deixas que não se calarão às palmas.
Hoje não contarei de mim,
Falarei apenas do que não importará saber quem sou.

Hoje, é dia de vestir a roupa da invisibilidade,
Quero que todos me leiam, mas não me vejam,
Quero que todos pressintam, mas não me toquem,
Quero que todos suspeitem, mas não me beirem.

Não, não quero nada que me transforme evidência,
Não quero nada que me deixe às claras,
Hoje quero ser uma linha imperceptível,
A linha de destino da palma das tuas mãos,
Hoje quero ser apenas o que se cala,
Observa e se assombra.

Hoje eu quero ser o canteiro de uma praça,
Que passem ao lado sem me perceber...
Quero ser aquele banco molhado que todos evitam,
Eu quero ser os arrulhos dos pombos famintos.

Apenas cúmplice do que se passa ao redor,
Cônjuge das planícies mudas,
Amigo do vento que canta tal silêncio,
Hoje é o dia que não falarei de mim,
Para não ter que falar de ti.

quinta-feira, julho 07, 2011

Tigre, tigre, tigre.

Quem vem caminhar por sobre as minhas pálpebras
Onde melancólicas orquídeas estão a brincar?
Desafio a dizer. Quem vem lá?
Mergulhar em meu poço de tristes amálgamas.

Este ser intransigente e sem pudor,
Quem é? Quem vem lá?
Que respira por mim e arremata minha língua,
Adentra e toma minha calma sem pedir, por favor?

Quem é que quer dominar a minha mente,
E que vem na calada das horas serenas
Embebedar-me. Quem vem lá?
Vens dominar minha perdida lua,
Onde almas adormecidas estão a sonhar?

Que ser supremo estranho arquitetou invisível
Tuas vestes e depôs a clemência?
Fez-te insaciável e sem decoro!
E dos teus olhos dimensões implausíveis.

Tigre, tigre, tigre,
Máquina de algoz simetria,
Guerreiro de porte altivo e perspicaz,
Armas natas forjadas em grilhões de desespero,
E o coração é pedra de moinho.

...

E tem esse traço de brilho que me olha nos olhos;
Tem vez que sinto nariz com nariz;
Hálito no meu hálito.
Eu, presa do medo.

Fero domínio,
Em quais alcovas tu descansas?
Em quais ciprestes tu te escondes?
Diz-me a colina onde guardas os teus segredos,
Por qual mordaz semblante tu te tomas?

Quantos homens fiéis nasceram das tuas garras?
Com os corações já esfacelados a jorrar tua vitória,
Esmagaste-os, um a um com imensurável alegria,
Sentindo o gosto prensado por entre tuas gargalhadas.

Tigre, tigre, tigre,
Tuas espáduas exclamam
e intercalam-se sorrateiras,
Num movimento cúmplice e milimétrico,
E eis-me aqui empunhando a tua bandeira.

Tigre, tigre, tigre,
O teu natural disfarce,
Do teu sem igual compasso,
Lanças que afiadas esperam se fartar
Em músculos defraudados.

Tigre, tigre, tigre,
Minha alma que tu visitas,
No ocaso de inevitável destino,
Mistura-se por entre lágrimas variantes,
Que é desperta quando a tua calda flameja.

Eu, esse espelho, essa imagem...
Essa prata que me oxida pelos cantos,
Deflagra o que me traspassa e não termina,
Revela dentro de mim o que me derrota.

Lá ao longe, a rodear meu coração,
Tu, fero domínio, ao meu encontro,
Cavalgando pelo meu mar,
Caçando minhas angústias.

E nesse mistério em que me calho torto,
Revela-se a correr por entre mundos,
Anunciando de sobressalto a chegada,
Um bardo perdido cavalgando com tal fera.

E mesmo nesta hora que me dou por vencido,
Interrogo, ainda, no presságio do meu cárcere:
Quem vem lá se apoderar da minha dor?
Bardo perdido diz “Eu sou o amante”,
Tigre domínio proclama “Eu sou o amor”.