terça-feira, abril 14, 2015

O Gosto do veneno

Eu gosto é do gosto do veneno,
Sou viciado no gosto do veneno,
Bem daqueles que além de matar lentamente,
Vai largando teus pedaços pelo caminho,
ou te deixa cheio de cicatrizes no peito...
se doses cavalares, é certo que andes por ai
arrastando a bola de ferro grudada no tornozelo,
ou a sensação de um piano de cauda nas costas,
o que te deixa sempre exaurido, ao ponto de
querer desistir da vida, não respirar,
mas se não há vida sem ele, aí sim, a morte é analítica e fria,
o que é eu sei, sou consciente, é perigoso, mas eu gosto.

Eu gosto é do gosto insano, cheio de rompantes,
de lamúrias, dramas, frio na barriga, disritmia e suor nas mãos;
eu gosto é do gosto de fruta desinibida, desraigada,
desventura de queda longe do pé;
eu gosto da força descomunal desse maldito veneno,
que me faz ter raiva, alegria, ira, riso, rancor, inveja e solidão.
eu gosto é do gosto às vezes amargo, cítrico,
de vez, doce de avelã.

Eu gosto é do jeito que esse veneno me rouba:
meus olhos; minha audição; meu paladar; minha escrita;
minha poesia; meu ritmo; meu sorriso;
minha desfaçatez; desalegria; meu sangue.

Meu sangue que ferve, meu sangue que engrossa
e arrebenta as veias, meu tórax que comprime,
e me desfaço num tipo de delirium tremens,
e se escorre suor e sangue, e matéria,
o vivo rei deposto, algemas ilusórias,
gás carbônico enclausurado nos pulmões,
ácido nítrico nos olhos, lágrimas de desalento,
suspiro prolongado, conhaque flambado...
... tremens, tremens, delirium, delirium,
asylum, alma exilada habita ainda aqui..., ter... tua, sua, não,
minha, sua, tre... tremenstremenstremens, tremens!
Esvoaça, voaça, voarra, voava, voavoa, ave, salve,
voa, teu codinome, meu sobrenome,
busca a ela, traz a orquídea de tal jardim.

E eu gosto é do gosto desse tal veneno,
que ainda na fonte, percorre todo o corpo,
recolhendo mais peçonha, passa pelas veias,
sorve a bílis, desequilibra os rins, a vesícula,
e todo o ventre ferino, do útero, do umbigo,
passa por toda a pele tortuosa, tuas curvas, (ah! as curvas),
permanece uma estadia no coração, a peçonha-mor,
que o expele, e diz: vai, toma o mundo,
até passar pela traqueia, pela boca,
até chegar na língua, (ah! a língua),
e lança-se pela voz, inebriando o som
que chega a mim com gosto de noite e cheiro de maresia.

Eu gosto do pavor que chega até a mim,
o gosto do veneno se expande em todos os poros,
sem cautela acentua todos os sentidos,
e uma nuvem estranha assombra os olhos,
a pupila dilatada, a língua dormente e sedenta,
o corpo fala em gestos de desconserto,
viro peça de quebra-cabeça perdida que não se encaixa.

Eu gosto do gosto do veneno... que me vicia,
que me transborda e me adormece a ponta dos dedos,
lépido, em transe, gesto moroso, cauteloso
e sem escrúpulos, eu ainda assim,
desejo com todo o fervor sentir o gosto do veneno.
eu gosto do gosto do veneno mesmo que me arrebente inteiro,
mesmo que me invada todos as entranhas do meu ser,
mesmo que me estripe, mesmo que me tranque
na masmorra em grilhões enferrujados de amores passados,
mesmo que me desfaça em horas,
mesmo que me decapite em praça pública,
meu último grito seria:
— Eu... eu gosto do gosto desse mal(bem)dito veneno!

Eu gosto do gosto do veneno,
mesmo que me castigue, me iluda e me torne um pedinte,
eu gosto porque o gosto me fascina, agita, atordoa,
o gosto do veneno tem sabor de suplício, de gestos afoitos,
joelhos ao chão, súplica na palma da mão,
carne trêmula destoada. Confesso que não saberia
viver sem sentir esse gosto sempre.
O tal do amor...?! É um filho da puta!

Mas eu gosto, eu gosto... e sei que em ti vive esse veneno,
esse arroubo de peçonha em ebulição constante,
teus olhos são a maior verdade desse veneno,
das sentenças que pagaste e deste como penitência.
Os outros correm, estremecem ao ponto de fugir,
ou ficam somente sem saber,
mal sabem do verdadeiro doce inebriante desse veneno,
que me fala à tua boca,
é preciso desejá-lo veementemente mesmo se for assim morrer,
é preciso se ajeitar, se moldar, se machucar,
se cumpliciar, se assim for querer viver.

Eu gosto do gosto do veneno,
quando eu te vejo, ele me chama...
e me seduz, me encanta,
me fala de poemas que eu não sentia,
me fala de músicas e de cheiros e sabores,
me fala de tua sorte, de tua fórmula convidativa.

Eu, trôpego, ainda mais suplico esse ardor do teu veneno,
mesmo que me castigue e me faça noites
chorar de ficar de olhos inchados,
mesmo que minha vida se extinga sem comedimento,
eu corro para te ver passar, só para sentir o cheiro dele
e dizer: – Ela tem esse veneno.

Eu a quero.