“Adeus qu'eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!”
Gonçalves Dias
I
Ainda
uma vez adeus,
Deus
sabe se sofro, Deus sabe de mim,
Alma
alvoroço é vela caída,
No
mais meu desgosto a tua partida,
Maior
teu tormento, deixar-me enfim,
Sem nada que possa, essa impotência
Faz-se em mim como ao sol a luzir.
Meu choro é calado, é pura demência,
Teus olhos de mel de turva eloquência,
Não mais me amará, não vais mais nutrir.
II
Ainda
uma vez adeus,
Quem
quer que assim quis,
Coração
não tem, nem dádiva amor viveu,
Não
sabe do sonho amor se perdeu,
Destino
do peito, tangente infeliz.
No
corredor, adentro os olhares, a sorte aflita,
Vagueza
de gestos, suprimidos os afetos,
O
abraço que foge, a mão que suplica,
Teus
olhos de mel, estranheza me dita,
Teu
cheiro inda assombra, andares incompletos.
III
Ainda
uma vez adeus,
Afirmas,
meu amor menor que o teu. Que horror!
Afirmas,
tão pouco eu te dei. Ferir-me é o intento?
Pra
ti foi tão pouco, que algoz pensamento,
Que
cruel inverdade, que frio dissabor!
Teu
corpo era o meu nome, teus olhos minha crença,
Teus
beijos meu esteio, teus seios minha força,
A
tua alma, pérola encantada da minha existência,
A
minha, partida, quebrada, que torpe sentença,
Cheio
de nódoa teu grito; estampido que eu não ouça.
IV
Ainda
uma vez adeus,
Dos
corpos detidos, a tua descrença,
Dos
beijos no ônibus, tua vaga lembrança,
Das
mãos conjugadas, minha desperança,
O
abraço espaçado, tua indiferença.
É
de raiva e rancor que me afogo agora,
Nas
batalhas pensei de estarmos sempre juntos,
Nem
empunhaste tua espada, nem resistisse à aurora,
É
de súbito que me viro, teu olhar vai-se embora
No
jardim da triste sina, nosso amor são dois defuntos.
V
Ainda
uma vez adeus,
Lindo
sonho, sem poder fugir presos na fugalaça,
Mãos
atadas, cumpliciadas selamos nosso destino,
Mas
valeu, tigre traçou tão bem, que de inopino
Vejo
tua derrota casar com a minha desgraça.
Não
é verdade, eu sei, tanto lutaste e foste fera,
Sei
que contra o tigre feriste garra contra garra,
Mas
o sentir que esmaga o peito não muito espera,
E
o nosso filho, hoje em dia é minha quimera,
Não
foste fraca. Não me livrei de minhas amarras.
VI
Ainda
uma vez adeus,
De
pesar o peito abarrotado, ressuscito num soluço,
Deus
sabe se bem te amei,
Deus
sabe que por ti tanto esperei,
Mas
o destino anteviu e foi astuto.
Perdoa,
vida, a minha sina, é assim que vivo,
E
na calada do Largo, de vinho grito o teu nome,
No
peito perduro nosso amor, por vezes soa aflito,
O
andar, puro desgosto, a alma, um labirinto,
Que
em frangalhos traça, corta, bebe, some.