Eu
gosto é do gosto do veneno,
Sou
viciado no gosto do veneno,
Bem
daqueles que além de matar lentamente,
Vai largando
teus pedaços pelo caminho,
ou
te deixa cheio de cicatrizes no peito...
se
doses cavalares, é certo que andes por ai
arrastando
a bola de ferro grudada no tornozelo,
ou a
sensação de um piano de cauda nas costas,
o
que te deixa sempre exaurido, ao ponto de
querer
desistir da vida, não respirar,
mas
se não há vida sem ele, aí sim, a morte é analítica e fria,
o
que é eu sei, sou consciente, é perigoso, mas eu gosto.
Eu
gosto é do gosto insano, cheio de rompantes,
de
lamúrias, dramas, frio na barriga, disritmia e suor nas mãos;
eu
gosto é do gosto de fruta desinibida, desraigada,
desventura
de queda longe do pé;
eu
gosto da força descomunal desse maldito veneno,
que
me faz ter raiva, alegria, ira, riso, rancor, inveja e solidão.
eu
gosto é do gosto às vezes amargo, cítrico,
de
vez, doce de avelã.
Eu
gosto é do jeito que esse veneno me rouba:
meus
olhos; minha audição; meu paladar; minha escrita;
minha
poesia; meu ritmo; meu sorriso;
minha
desfaçatez; desalegria; meu sangue.
Meu
sangue que ferve, meu sangue que engrossa
e
arrebenta as veias, meu tórax que comprime,
e me
desfaço num tipo de delirium tremens,
e se
escorre suor e sangue, e matéria,
o vivo
rei deposto, algemas ilusórias,
gás
carbônico enclausurado nos pulmões,
ácido
nítrico nos olhos, lágrimas de desalento,
suspiro
prolongado, conhaque flambado...
... tremens, tremens, delirium, delirium,
asylum, alma exilada habita
ainda aqui..., ter... tua, sua, não,
minha,
sua, tre... tremenstremenstremens, tremens!
Esvoaça,
voaça, voarra, voava, voavoa, ave, salve,
voa,
teu codinome, meu sobrenome,
busca
a ela, traz a orquídea de tal jardim.
E eu
gosto é do gosto desse tal veneno,
que ainda
na fonte, percorre todo o corpo,
recolhendo
mais peçonha, passa pelas veias,
sorve
a bílis, desequilibra os rins, a vesícula,
e
todo o ventre ferino, do útero, do umbigo,
passa
por toda a pele tortuosa, tuas curvas, (ah! as curvas),
permanece
uma estadia no coração, a peçonha-mor,
que
o expele, e diz: vai, toma o mundo,
até
passar pela traqueia, pela boca,
até chegar
na língua, (ah! a língua),
e lança-se
pela voz, inebriando o som
que
chega a mim com gosto de noite e cheiro de maresia.
Eu
gosto do pavor que chega até a mim,
o
gosto do veneno se expande em todos os poros,
sem
cautela acentua todos os sentidos,
e
uma nuvem estranha assombra os olhos,
a
pupila dilatada, a língua dormente e sedenta,
o
corpo fala em gestos de desconserto,
viro
peça de quebra-cabeça perdida que não se encaixa.
Eu
gosto do gosto do veneno... que me vicia,
que
me transborda e me adormece a ponta dos dedos,
lépido,
em transe, gesto moroso, cauteloso
e
sem escrúpulos, eu ainda assim,
desejo
com todo o fervor sentir o gosto do veneno.
eu
gosto do gosto do veneno mesmo que me arrebente inteiro,
mesmo
que me invada todos as entranhas do meu ser,
mesmo
que me estripe, mesmo que me tranque
na
masmorra em grilhões enferrujados de amores passados,
mesmo
que me desfaça em horas,
mesmo
que me decapite em praça pública,
meu último
grito seria:
— Eu...
eu gosto do gosto desse mal(bem)dito veneno!
Eu
gosto do gosto do veneno,
mesmo
que me castigue, me iluda e me torne um pedinte,
eu
gosto porque o gosto me fascina, agita, atordoa,
o
gosto do veneno tem sabor de suplício, de gestos afoitos,
joelhos
ao chão, súplica na palma da mão,
carne
trêmula destoada. Confesso que não saberia
viver
sem sentir esse gosto sempre.
O
tal do amor...?! É um filho da puta!
Mas
eu gosto, eu gosto... e sei que em ti vive esse veneno,
esse
arroubo de peçonha em ebulição constante,
teus
olhos são a maior verdade desse veneno,
das
sentenças que pagaste e deste como penitência.
Os
outros correm, estremecem ao ponto de fugir,
ou
ficam somente sem saber,
mal sabem
do verdadeiro doce inebriante desse veneno,
que
me fala à tua boca,
é
preciso desejá-lo veementemente mesmo se for assim morrer,
é
preciso se ajeitar, se moldar, se machucar,
se cumpliciar,
se assim for querer viver.
Eu
gosto do gosto do veneno,
quando
eu te vejo, ele me chama...
e me
seduz, me encanta,
me
fala de poemas que eu não sentia,
me
fala de músicas e de cheiros e sabores,
me
fala de tua sorte, de tua fórmula convidativa.
Eu,
trôpego, ainda mais suplico esse ardor do teu veneno,
mesmo
que me castigue e me faça noites
chorar
de ficar de olhos inchados,
mesmo
que minha vida se extinga sem comedimento,
eu
corro para te ver passar, só para sentir o cheiro dele
e
dizer: – Ela tem esse veneno.
Eu a quero.