segunda-feira, setembro 24, 2012

Jogo de damas


Foi nas espumas do mar que tu nasceste.
Leve, instantânea rosa branca em harmonia
Com os tempos, com os ventos, as sinagogas.
Sóis virgens nascem dos teus seios.

Os horizontes te contemplam,
Os dias se atrasam, as noites se esbaldam,
Semideuses em teu nome pregam palavras de desejo,
Por ti, deusa silvestre, sorte da minha vida,
Espectros desejam viver novamente.

Em tu impera a perfeição,
Como contornos esculpidos em mármore fino.
Teu corpo é denso e misterioso labirinto de Creta,
Onde Teseu enfeitiçado, a eternidade desejaria ficar;
Por tua tez feiticeira, teu brilho inebriante.

Porque é uma tentação a cascata de estrelas
Que caem dos teus cabelos atemporais,
E a lua ao longe enciumada ao ver-te passar,
Mulher das estrelas, corpo lânguido ao vento,
Trava batalhas de brilhos incomparáveis
por entre as cordilheiras das curvas do teu corpo.

Eu te assisto e te admiro daqui, ninfa das primaveras,
Como o marinheiro em deriva a fitar o lampejo do farol,
Imerso num mar negro, nebuloso e revoluto,
Sereia contra o vento.

É dos teus cabelos que sai
O frescor das manhãs de inverno,
E o rubor que da tua linda face me atropela,
Roubaste, sei que das maçãs serranas.

És o anjo bendito que em poder numa das mãos tem o meu julgo,
E noutra, espada flamejante que cravaste em meu peito,
Cego de amor sou prisioneiro dos teus astutos redemoinhos,
Vivo a roubar tua imagem para os meus olhos alimentar.

Eu renasço para ti, sempre, dia-a-dia,
Beijo em sonho a tua boca, e assim me alimento,
No frescor do teu suspiro recomponho-me,
E nas veredas da tua existência ressuscito.

Como me desfazer de ti, se minhas forças galgam
Caminhos que me levam a lampejos de esperanças,
Trilhar contigo inacabáveis desejos de amores,
Em gondoleiros que se põem em tardes despertas.

Eu quero, necessito,
Na sombra da tua árvore descansar,
E nas ventanias intransponíveis do teu andar,
Que me traspassa sem dó nem piedade,
Morrer, a alma presa, feito barco que quer naufragar. 

sexta-feira, setembro 14, 2012

Todas as cartas de amor são ridículas



Todas as cartas de amor são
Ridículas.
 
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
 
Também escrevi em meu tempo cartas de amor, 
Como as outras,
Ridículas.
 
As cartas de amor, se há amor, 
Têm de ser
Ridículas.
 
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram 
Cartas de amor 
É que são
Ridículas.
 
Quem me dera no tempo em que escrevia 
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
 
A verdade é que hoje 
As minhas memórias 
Dessas cartas de amor 
É que são
Ridículas.
 
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)


Álvaro de Campos

quarta-feira, setembro 12, 2012

Perséfone


Quando a neblina desliza como a um tapete,
O âmbar quase que sólido do teu cheiro
Ciranda as minhas pernas,
Hora a estender-se, hora a retrair-se,
Tempos em tracejo, tempos em revés,
A extasiar-me em tuas curvas.

Fito a tua silhueta na sobra através da vela,
Quer, inquietar-me pelos poros,
Quer, suspirar-te em meus ouvidos,
Envolvendo-me em teus desejos.

Sinto o palor recostar-me à parede,
Tombo como um cerne cortado e velho,
O coração acelerado, sem tempo de respirar;
Estás enfim nas minhas veias.

Os meus olhos surgem cheios de intento,
Surtindo o efeito do vinho, te contemplo,
Invento um caminho por entre as tuas veredas,
Na garoa embriagada dos teus lascivos desejos.

Amo-te, tanto que nem sei como;
É como um rio que vaga ao cálido curso,
Amo-te, tanto que me atordoa,
E atordoado na noite me dano.

Amo-te tanto, que por dentro recolho-me em sonhos
Epicuristas. Desgovernas a minha morada,
E um grito desumano desata-se em chuva,
Amo-te tanto, que me perco em teu juízo.

Amo-te tanto, tal qual uma semente libertina
Filha dos horizontes e dos ventos,
Parte pagã, parte celeste, píncaro suicida;
Amo-te na medida desproporcional à matéria,
Sentindo gota a gota o morrer das horas em tuas pernas.

Amo-te: sem saber para onde eu vou, nem como fico;
Amo-te: na identidade híbrida dos nossos corpos;
Amo-te, queimando em ardente chama que não cessa;
Amo-te sendo servo absoluto. Um beijo em suplício.

Amo-te: com a minha alma a acumpliciar o teu corpo;
Amo-te, e teu desejo é o meu desejo sendo exorcizado,
E a tua voz rouca sai da minha boca transbordada,
E o teu desespero me exaspera uma suspiração rouca.

Amo-te, revelando-me em sete mil dores,
Entre sete mãos espalmadas,
Por sete preçes inacabadas,
Por sete mil amores de ciclos incompletos,
E por sete mil beijos aguardados, faz-me o drama!

Aninhando-me em teu corpo despetalado,
Amo-te. Revelando-me em castos sorrisos,
Amo-te. Consolidando-me em teu regaço nítido,
Amo-te. Então explodo em versos mil de amores.

Amo-te, perdendo-me entre os teus negros cabelos,
Amo-te, lendo-te com as pontas dos meus dedos,
Amo-te embriagado-me nas tuas mãos,
Como a brisa a se enroscar nas folhagens melindradas.

Amo-te, enquanto o teu corpo inibido
Desliza por sobre as nuvens,
Amo-te, a cada peça desvencilhada do teu quebra-cabeça,
Envolto em um círculo dum mar que nunca se acaba.

quinta-feira, setembro 06, 2012

O Poeta e o pássaro

“Algum dia em qualquer parte, em qualquer lugar indefectivelmente te encontrarás a ti mesmo, e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga de tuas horas.”

terça-feira, setembro 04, 2012

Não quero que sejas forte, nem que esse escudo te impeça de ver que eu e tudo estamos tão perto. Clamando para que fujas do deserto. Te quero fraca e teus olhos me guardando. Te quero presa, aflita e de alma desguarnecida. Te quero em meus abraços te aprisionar. Te quero vítima do meu amor e da subserviência em favor dele. Teu corpo estilhaços, só para eu cuidar. 

Negra noite.


Esta negra noite que me cala,
Na virada da minha dor temida,
Esta negra noite que me fala,
O que de ti não sei sentir...

Esta minha dor, tão dor, tão só,
Tão sem sentido, minha real inverdade.
Esta negra solidão ilusória,
Que me rasga como tecido morto.

Esta negra dor veneno,
Incauta perfídia que me castiga,
Essa dor veneno, minha dor de vício,
Amor negro solitário da minha vida.

Esta negra dor que me fala,
O que não se deseja ouvir tão só,
Esta negra noite que me marca,
A me deixar a alma doída, sem dó.

Esta negra marca que não resguarda os sentidos,
Consome o peito doentio de amores,
Esta negra marca de pendores doídos.
Tardio, marcado, resvalado de pudores.

Esta negra sina bravia,
Marcante, intensa nas negras noites solitárias,
É o que se faz marcar tremores e sangria,
É o que se faz atar laços de linhas imaginárias.

Esta negra noite que se vai,
Para longe de mim te levou,
Só o amor ficou... nada mais,
Sem ti, sem dó, sem beijos...
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