quarta-feira, novembro 21, 2012

Mensura fracassada


Não há mensura que o faça. Não há.
Que eu possa pensar e definir quando tu passas. Não há.
Que eu porte e suporte nos ombros, tamanha amplitude. Não há.
Não há nada que esse sujeito na tua frente mais sentir te faça. Não há.

Não há desgasto que o lace e o dome. Não há.
Não a ternura nem a precisão de uma rosa que o ultrapasse. Não há.
Não há beleza de cisne negro em quadro que o valha. Não há.
Nada o compra, nada o seduz. A não ser o teu olhar. Sim, há.

Eu tento falar, não tardo a fracassar. Ardo não saber o que te dizer. Não há.
Não há medida, nem spat que me console. Não há.
Regozijas-te em apenas o perceber, porque da medida te dizer. Não há.
Não há, nem que tu te assumas senhora da jornada de Dante,
E nem junto a Beatrice no lácteo paraíso busques conselhos. Não há.

Somente olha nos meus olhos e na minha testa franzida,
Olha no meu rosto decaído de rugas, café, de fumo e conhaque,
Percebas os meus braços pêndulos absortos perdidos no vácuo,
Somente sinta meu balbuciar perdido em teus olhos.

Veja só, meu amor, entra no labirinto dos meus versos.
Olha lá ao longe aquele velho com um livro nas mãos,
Sentado embaixo de uma árvore ressequida e sem folhas,
Vai lá, meu amor, e abre o peito dele e sussurra o teu nome.

E verás um mar infinito de palavras que o velho tenta pescar,
E no mar adentro se transcende palavras que se perdem. Não há.
Nas rochas, porte altivo e draconiano, estará lá,
Esse mar de amor, a castigar as rochas a rebater e dizer: Não há!

Tu verás que nem mesmo essa tristeza que neste velho é peculiar,
E essa disritmia calcificada subjugada amarescente no beijo desta boca,
É provável te dizer o que se sabe mas não se mede. Não há.
Não há o que dizer e poder te ensinar. Não há.

Somente prove e se embebede no sumo de minha queixa,
Somente se perca e se desvencilhe de todo o mal que te abomina,
E deixa-te te levar ao olho do furacão de nosso filme,
E deixa-te se permitir se jogar das falésias do nosso destino.

Desse nosso encontro com gosto de lágrima caída dos meus olhos em tua boca.
Desse fervor prolongado de sede do meu e teu corpo a tremeluzir,
Desse estupor prolongado, febre terçã de olhos de mel amendoados,
Dizer o que sinto, é querer me matar para a alma castigar. Não há.

Porque, meu bem, aferir e te dizer o quanto te amo, é loucura, sandice pueril.

Não há estado febril mais desatado. Não há.
Não há vontade mais louca que essa doençavocê de me valer sorumbático,
E tudo isso eu penso, na tua frente, quando passas, eu estático.
Não há palavras ou força misteriosa de mil poetas para me valer,
Dizer-te, é derrota antecipada, suicídio, de juiz o amor. Não há.

E nessa sangria desatada, nessa presa e interminável fugalaça,
Pergunto, meu amor: Há lembrança maltrapilha e ressurgida
que te baste e te  esconda o que eu tenho mesmo que falho para te contar?
Eu mesmo respondo: Não. Não há!

terça-feira, novembro 06, 2012

Para ser sincero


Às vezes... Não, às vezes não. Sempre que eu penso em quanto tempo juntos iremos ficar eu penso em Khronos. Se esse deus, senhor dos tempos poderia me ajudar. E quando tudo fosse se finalizar, eu o invocasse e ele me desse novamente o tempo em que eu tive você em meus braços. Essa ânsia de querer saber quando se iniciará a dor, já é sentir a dor, isso não é bom, mas eu não consigo evitar.      Quero-te perto, sempre, e por mais que estejamos juntos, dormindo quase todos os dias juntos, passando finais de semanas inteiros juntos, indo para a faculdade juntos, indo embora para casa juntos, ainda assim eu não me canso e minha fome de tua presença não sacia. É incomensurável a vontade que eu sinto de você. E eu me pergunto: -- será que isso vai passar? Será que isso que eu sinto é tão forte e estrondoso, mas rápido e cessante como o explodir de um trovão? Nem! Acredito que não. Esse medo e insegurança são por causa de meu amor por você ser imenso ao ponto de quase me engolir por inteiro. Essa curiosidade desgastante é por querer que esse dia nunca chegue e não há hipótese crível de ele em um tempo qualquer chegar. É apenas um temor por saber que o que sentimos é tão único e aconteceu de maneira tão inusitada e cinematográfica que assim como começou poderá um dia acabar. Normal, vida. Eu creio que precisamos (eu) mesmo sentir esse medo constante, alimenta minha perseverante dedicação a você, não me acomodar, e não esquecer que o amor se alimenta de pequenas coisas que se tornam enormes ao coração.
O que eu quero é que você nunca se aparte de mim, nem por um só segundo. Confesso que eu achava que iria ser diferente, agir diferente. Mas me vejo sempre com as mãos suando, enfiadas nos bolsos somente para disfarçar meu nervosismo de saber que a qualquer momento aqueles lindos olhos, sim, aqueles lindos olhos cor de mel, fonte de meu desejo apareçam lá na esquina. Eu tenho um poema que tenho que escrevê-lo a partir do que você escreveu naquela folha amarela... Eu não consigo terminá-lo. Não fica braba comigo, mas eu acho que eu nunca conseguirei terminá-lo, ficarei mexendo nele por muito tempo, porque é assim o nosso amor, que escrevemos cada página, um borrão, um novo tema, uma inovada estrofe, e mais um verso, e mais uma infinidade de exclamações e interrogações... Usamos, usamos, desgastamos, surramos, chacoalhamos, espancamos, esfolamos, asfixiamos, mas mesmo assim, logo, de repente, tá lá o filho da mãe renovado, batendo no peito e pronto para outra, e cada vez mais forte. Sei lá, o nosso amor é um mutante, tipo Wolverine que se machuca e logo cicatriza e desaparece o machucado em frações de segundo, sabe?! O amor é isso, um mutante filhodamãecachorrodosinfernos.
Diante desse medo, eu tenho para mim que um dia a nossa história vai acabar, e nós dois saberemos quando acontecer, mas enquanto isso, eu prefiro não pensar nem indagar a Khronos quando isso vai acontecer, e me vem no mesmo instante eu duvidar que nossa história assim se interrompa. Meu, eu te quero sempre, para toda a vida. Eu te quero mesmo eu sabendo que a minha vida está quinze anos à frente da sua e que isso possa eu roubar a tua chance de ser de alguém no hábil tempo em que tu irás viver. Eu te quero mesmo já de barba branca sentado numa cadeira, estático, olhando no fundo dos teus olhos querendo saber quem são aqueles olhos lindos cor de mel que brilham e me dão tanta atenção.
  Eu te quero mesmo que não te reconheça um dia, que as tuas mãos lindas e lépidas aterrissem no meu rosto, e esse teu sorriso de boca de menina paire nas minhas até então fracas moribundas memórias. Entende? Mas eu quero crer e luto para fazer a minha verdade ser a tua verdade, a nossa verdade. Creio que sei quando isso vai cessar. Isso não vai cessar nem com barba e memória brancas, isso não vai cessar nem que me tirem abruptamente de perto de você e me façam experimentos em meu cérebro e reimplante novas lembranças e me isolem embaixo de uma árvore petrificada no morro dos ventos uivantes. Certamente lá o vento cantará no vão das pedras teu nome e eu lembrarei dos teus olhos e gritarei o teu nome para que nas mais remotas torres, ouvidos me escutem e teu nome vire estória de menestréis.
Somente quando eu morrer há de cessar em mim o que se torna, hoje, tão vivo e claro. Esse canto, esse amor que não se encontra em qualquer peito. Somente no passar de minha alma para outra dimensão, e mesmo assim, meu amor, tudo o que se faz nos cosmos e no universo não me surpreenderá se conspirarem para que perto de ti eu fique, nas mais ternas alegorias de me fazer nunca esquecer o teu amor, teu rosto, os teus olhos, o teu nome, tua marca em mim. 

sexta-feira, outubro 05, 2012

O catre.


No catre cerrado, revelam-se todos os teus mistérios,
As chaves são aceitas e teus cadeados destravados,
Por quanto tempo, agora não importa,
É possível sentir a brisa que vem da janela do teu corpo.

Abro uma cortina e a tua alma semisolta,
Faz-me constatar a conspiração dos nossos acasos.

No impasse do tempo:
A tua boca revela-se,
Os teus olhos me buscam,
Tuas mãos são minhas cúmplices,
E o teu corpo responde ao meu tato.

A tua maquiagem borrada grita o meu nome,
Desenho os teus ombros,
Enquanto sinto o frescor do teu banho,
Enquanto os teus olhos me suspiram,
Eu acho o caminho que nunca trilhei mas já o sabia,
Enquanto tua boca ávida me procura.

Teus olhos me contam tua história,
Imprecisa, mas deflagra e elimina minha experiência,
De ter vivido um amor que nunca existiu,
De viver uma vida que nunca foi tão viva.

Meu mundo era um poema inacabado,
De estrofes decaídas,
De rimas falhas,
De um amor já velho e amputado,
Compactuando com uma conjuntura arcaica e obsoleta.
Eu que nunca fui dono de mim.

A madrugada é o teu leito. Dormes inerte,
Mas percebes que levanto a todo instante,
Estás desarmada e mesmo assim me deixas te ninar.

Velo o teu sono, te aproveito inconsciente,
Com a alma prestes a ebulir
o sangue e hálito de cigarro barato,
Faço-te juras de amor
que nunca saberás que fui eu que proferi.

O anjo o qual pedi para levar tais juras
E registrá-las na página de recortes da tua vida,
Perguntou-me se eu tinha certeza disso,
E foi simples por entre o meu divagar que lhe respondi:
De amor, meu caro, sempre se morre.

segunda-feira, setembro 24, 2012

Jogo de damas


Foi nas espumas do mar que tu nasceste.
Leve, instantânea rosa branca em harmonia
Com os tempos, com os ventos, as sinagogas.
Sóis virgens nascem dos teus seios.

Os horizontes te contemplam,
Os dias se atrasam, as noites se esbaldam,
Semideuses em teu nome pregam palavras de desejo,
Por ti, deusa silvestre, sorte da minha vida,
Espectros desejam viver novamente.

Em tu impera a perfeição,
Como contornos esculpidos em mármore fino.
Teu corpo é denso e misterioso labirinto de Creta,
Onde Teseu enfeitiçado, a eternidade desejaria ficar;
Por tua tez feiticeira, teu brilho inebriante.

Porque é uma tentação a cascata de estrelas
Que caem dos teus cabelos atemporais,
E a lua ao longe enciumada ao ver-te passar,
Mulher das estrelas, corpo lânguido ao vento,
Trava batalhas de brilhos incomparáveis
por entre as cordilheiras das curvas do teu corpo.

Eu te assisto e te admiro daqui, ninfa das primaveras,
Como o marinheiro em deriva a fitar o lampejo do farol,
Imerso num mar negro, nebuloso e revoluto,
Sereia contra o vento.

É dos teus cabelos que sai
O frescor das manhãs de inverno,
E o rubor que da tua linda face me atropela,
Roubaste, sei que das maçãs serranas.

És o anjo bendito que em poder numa das mãos tem o meu julgo,
E noutra, espada flamejante que cravaste em meu peito,
Cego de amor sou prisioneiro dos teus astutos redemoinhos,
Vivo a roubar tua imagem para os meus olhos alimentar.

Eu renasço para ti, sempre, dia-a-dia,
Beijo em sonho a tua boca, e assim me alimento,
No frescor do teu suspiro recomponho-me,
E nas veredas da tua existência ressuscito.

Como me desfazer de ti, se minhas forças galgam
Caminhos que me levam a lampejos de esperanças,
Trilhar contigo inacabáveis desejos de amores,
Em gondoleiros que se põem em tardes despertas.

Eu quero, necessito,
Na sombra da tua árvore descansar,
E nas ventanias intransponíveis do teu andar,
Que me traspassa sem dó nem piedade,
Morrer, a alma presa, feito barco que quer naufragar. 

sexta-feira, setembro 14, 2012

Todas as cartas de amor são ridículas



Todas as cartas de amor são
Ridículas.
 
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
 
Também escrevi em meu tempo cartas de amor, 
Como as outras,
Ridículas.
 
As cartas de amor, se há amor, 
Têm de ser
Ridículas.
 
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram 
Cartas de amor 
É que são
Ridículas.
 
Quem me dera no tempo em que escrevia 
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
 
A verdade é que hoje 
As minhas memórias 
Dessas cartas de amor 
É que são
Ridículas.
 
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)


Álvaro de Campos

quarta-feira, setembro 12, 2012

Perséfone


Quando a neblina desliza como a um tapete,
O âmbar quase que sólido do teu cheiro
Ciranda as minhas pernas,
Hora a estender-se, hora a retrair-se,
Tempos em tracejo, tempos em revés,
A extasiar-me em tuas curvas.

Fito a tua silhueta na sobra através da vela,
Quer, inquietar-me pelos poros,
Quer, suspirar-te em meus ouvidos,
Envolvendo-me em teus desejos.

Sinto o palor recostar-me à parede,
Tombo como um cerne cortado e velho,
O coração acelerado, sem tempo de respirar;
Estás enfim nas minhas veias.

Os meus olhos surgem cheios de intento,
Surtindo o efeito do vinho, te contemplo,
Invento um caminho por entre as tuas veredas,
Na garoa embriagada dos teus lascivos desejos.

Amo-te, tanto que nem sei como;
É como um rio que vaga ao cálido curso,
Amo-te, tanto que me atordoa,
E atordoado na noite me dano.

Amo-te tanto, que por dentro recolho-me em sonhos
Epicuristas. Desgovernas a minha morada,
E um grito desumano desata-se em chuva,
Amo-te tanto, que me perco em teu juízo.

Amo-te tanto, tal qual uma semente libertina
Filha dos horizontes e dos ventos,
Parte pagã, parte celeste, píncaro suicida;
Amo-te na medida desproporcional à matéria,
Sentindo gota a gota o morrer das horas em tuas pernas.

Amo-te: sem saber para onde eu vou, nem como fico;
Amo-te: na identidade híbrida dos nossos corpos;
Amo-te, queimando em ardente chama que não cessa;
Amo-te sendo servo absoluto. Um beijo em suplício.

Amo-te: com a minha alma a acumpliciar o teu corpo;
Amo-te, e teu desejo é o meu desejo sendo exorcizado,
E a tua voz rouca sai da minha boca transbordada,
E o teu desespero me exaspera uma suspiração rouca.

Amo-te, revelando-me em sete mil dores,
Entre sete mãos espalmadas,
Por sete preçes inacabadas,
Por sete mil amores de ciclos incompletos,
E por sete mil beijos aguardados, faz-me o drama!

Aninhando-me em teu corpo despetalado,
Amo-te. Revelando-me em castos sorrisos,
Amo-te. Consolidando-me em teu regaço nítido,
Amo-te. Então explodo em versos mil de amores.

Amo-te, perdendo-me entre os teus negros cabelos,
Amo-te, lendo-te com as pontas dos meus dedos,
Amo-te embriagado-me nas tuas mãos,
Como a brisa a se enroscar nas folhagens melindradas.

Amo-te, enquanto o teu corpo inibido
Desliza por sobre as nuvens,
Amo-te, a cada peça desvencilhada do teu quebra-cabeça,
Envolto em um círculo dum mar que nunca se acaba.