domingo, outubro 22, 2017

Quatro por um

Eu vi John Coltrane tocar seu blue
enquanto eu rondava no corredor da morte
Eu vi estilhaços da chuva
Partindo o para-brisa do meu carro
Chapado num 4x1.

Eu vi tua sede de mim, um tsunami virar uma marola
Onde as ondas batiam freneticamente
Num toque irrefutável, intragável,
E cada ruído roer minha túnica de vassalo.

Eu vi Maomé pregando sobre as pedras de Gizé,
Chamando ao arrependimento, lá e eu cá, atento,
Envolta, as hienas declamando poemas de Mallarmé.
Tudo, tudo isso num 4x1.

Eu vi Rimbaud pular em uma perna só ao redor da minha cama
A me ensinar a declamar Le coeur volé
Eu vi Tristão morrer nos braços de Isolda
Eu vi a história se impor e compor uma nova vida em mim
Eu vi a distância acelerada de nossas almas centenárias,
Eu vi o destino zombar de mim.

Eu vi tua boca no teto do meu quarto
A penumbra a ressaltar o susto em tua voz
Eu vi o desejo incessante, nossas bocas
absortas a galgar língua alcalina tão atroz
Enquanto nossos pares e ímpares resultaram
num festival de malabares num 4x1.

Eu vi o arcar das tuas ancas desinibidas
a deslizar no sentido impaciente de um meio-dia
A loucura a crepitar a dormência de um amor descabido
A tudo faz disso sentido, minha boca na rua
teus cachos alaranjados a beijar minha sombra
Chapados de 4x1.

Eu vi a serena menina tragar a minha alma
Enquanto meus olhos de tocha te clamava
Astúcia é o teu nome
Eu vi teus seios bater em devaneios
quando meu coração clamava aos deuses
teu nome no topo do meu destino.
Repleto de 4x1. 

Eu vi e li teus pensamentos,
Eu vi teu sôfrego lamento,
Eu vi tuas agruras maldizer o meu nome,
Eu vi nossa chácara abrir os portões abolidos
onde encantados gatos brincavam, chapados num 4x1.

Eu vi as fendas me revelarem um coração senil
Impotente, resmungando o teu nome
enquanto as Valkírias traíam minha Messalina.
Tudo isso nas nuvens de um 4x1.

Eu vi você se afastar de mim, a terra se abrir
E dentro dela eu habitar
Castigo do teu sono inimigo
Ao silêncio das hordas me rendi
Tudo isso num 4x1.

Eu vi o despedaçar do céu
A relva dormir por sobre a solidão dos astros
Eu vi você sonhar comigo casar
E o nosso amor a espiar cada gesto de arrependimento
Ver cada soco no estômago vencido
Eu vi um cacto sem espinhos a chorar no nosso quarto.

Eu vi a solidão ganhar do amor
Eu vi a incompreensão manter vigília
E nossas almas se distanciarem
Eu vi você soletrar o meu nome... o desconhecendo.

Eu vi o ouro virar cobre,
e escorrer das paredes todo disforme
sozinho, sentado, pelado, chapado e chorando
Eu vi em tuas mãos crescer espinhos com o meu nome
Eu vi no espelho um poeta disforme em desalinho...
Numa conjectura arcaica e insolente
refletir uma barba a crescer em riste
Chapado num 4x1.

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